O dragão, a antiga serpente.
Uma breve nota sobre o bestiário bíblico e algumas confusões simbólicas.
Antes de mais nada, devo informar, para a frustração de alguns, creio eu, que esta não será uma explanação completa dos signos do dragão ou da serpente. Na verdade, minha intenção original era apenas registrar um insight. Mas é natural que para explicar um insight você precise de algumas linhas de explicação.
Aliás, eu nem tenho, ainda, capacidade de discorrer longamente sobre nenhum signo. Então, o que posso fazer, a partir desse texto, é dar algumas notas de simbolismo, tentando abrir aos meus leitores, possibilidades de compreensão que até então poderiam estar fechadas. Muitas das coisas que serão escritas aqui são respostas a perguntas que alguns amigos me fizeram ou eu mesmo me fiz e que, no momento, não tinham resposta.
Muita gente fica alarmada quando, no estudo da astrologia chinesa, se deparam com o signo do dragão. A primeira estranheza se deve ao fato de que, dentre os animais do zodíaco, só o dragão não é um animal comum. Apesar de, no nível metafórico, qualquer reunião de DCE de universidade oferecer inequívocos exemplos deste ser místico, você não costuma cruzar com nenhuma serpente alada por aí.
E a primeira nota simbólica acerca do dragão é essa: uma serpente alada.
O segundo espanto ocorre quando o ouvinte descobre que, na cosmovisão tradicional chinesa, o dragão é um símbolo benéfico. As pessoas querem ter filhos no ano do dragão, constroem suas casas de forma a que dragões possam passar melhor por eles ou mesmo repousar nos seus telhados, enfim. O dragão não é visto como algo necessariamente ruim no oriente.
E a reação quase imediata sempre é: isso não faz sentido! E taca-lhe a passagem do apocalipse onde A Mulher está em combate com o Dragão, que, sim, é nominalmente identificado como sendo Satanás. “Não tem como entender dragão como algo bom, cara, desculpa!”
Está desculpado, meu amigo.
É claro que um símbolo pode variar de uma cultura para a outra, e é natural que a transposição seja difícil ou mesmo impossível. No caso do dragão, eu vejo que o problema maior é que a imagem que nós temos dele é, basicamente, um grande dinossauro que cospe fogo.
Mas se você pintasse essa imagem para um chinês ele provavelmente diria: “sim, isso é um dlagão de fogo, mas nem todos os dlagões são assim”.
Em primeiro lugar, na cosmologia chinesa, os dragões sempre estavam associados a rios, ventos e montanhas. Se voltássemos no tempo e encontrássemos um chinês tradicional, ao pedir que nos mostrasse um dragão ele provavelmente apontaria para uma montanha, ou nos levaria para ver o Rio Amarelo.
Inclusive, veja só que coincidência não é mesmo?! (não, claro que não é coincidência), lá no Apocalipse, quando surge o dragão, ele não cospe fogo, mas da sua boca sai um rio. Olha, deve ser porque o Apóstolo João, e o próprio Cristianismo tenham nascido no Oriente (que é algo que nós frequentemente esquecemos).
Mas isso não é o foco da questão. Estamos aqui para falar da serpente. Eis o que queria dizer: quando o Apocalipse fala do dragão, ele o refere como sendo a antiga serpente. E isso não é só um marco temporal.
Deus criou as serpentes para serem serpentes do Gênesis ao Apocalipse, e os dragões para permanecerem dragões. O problema desse dragão aí é que ele era uma serpente que agora é um dragão.
Quando você estuda o signo da serpente, na astrologia chinesa, você percebe que uma aspiração é constante: a serpente quer ser um dragão. Ela olha para o dragão e admira sua grandiosidade, sua imensa dignidade, seu poder inconteste, seu domínio total e, muitas vezes, nem mesmo percebido (e por isso muito menos contestado). Uma das histórias que se contam é justamente a de dois generais, cujos nomes não me lembro, um era o general serpente, o outro, o general dragão. O general serpente sempre tinha todo o controle da batalha nas mãos. Sabia todas as possibilidades de ação, seus pontos fracos e fortes, os pontos fracos e fortes do dragão, quais eram as possíveis ações que o dragão tomaria e o que ele faria em resposta. Como num jogo de xadrez em que ele conhecia completamente seu oponente e já tinha tudo premeditado… e mesmo assim ele sempre perdia. De uma forma inexplicável, o dragão sempre ganhava.
Ou seja, a admiração que a serpente sente pelo dragão facilmente se torna uma inveja mortal.
Eu já não ouvi essa história antes?
“Tu, que dizias no teu coração: Subirei ao céu, estabelecerei o meu trono acima dos astros de Deus, sentar-me-ei sobre o monte da assembleia (dos deuses), na extremidade do aquilão: sobrepujarei a altura das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo.”
Isaías 14, 13 e 14.
A coisa “piora” quando você descobre que a palavra serafim - a classe angélica a que Lúcifer pertencia - advém do verbo “śãrãph”, que significa ardente, e é uma referência às serpentes que picaram o povo no deserto. Ou seja, a imagem simbólica da serpente, para um hebreu era associada aos serafins.
Essa é a história de Satanás, a serpente, que quis subir, ser semelhante ao Altíssimo, e por isso acabou se tornando o ser mais maligno de todos.
Essa ambição é, também, um forte traço característico do signo da serpente. A serpente deseja alcançar o poder e fazer-se impor sobre os demais como uma presença percebida por todos. O modo pelo qual ela realiza isso não é, normalmente, pela ação direta, mas pelo envolvimento das pessoas próximas a ela “no esquema dela”.
Se você vive com alguém do signo da serpente, facilmente perceberá essa tendência de sempre querer te encaixar nos planos dela. É muito comum você, por exemplo, trabalhar com alguém de serpente e, quando percebe, está ou trabalhando para ela (não no sentido de servindo a ela, mas está fazendo o que ela quer que você faça), ou está seguindo algum conselho prático que ela te deu.
Meu pai é do signo da serpente. Lembro-me de uma vez, quando tinha acabado de ler As Cinco Linguagens do amor, conversei com ele sobre o que o livro tratava e, claro, perguntei, com a inocência de um adolescente: e você, pai, qual é a sua linguagem de amor?
Depois de me olhar com aquela cara de “isso lá é pergunta pra você fazer pro seu pai, menino?!”, sorrir com aquele sorriso de “quer mesmo que eu te diga qual linguagem de amor eu gosto que sua mãe me trate?”, ele me disse: olha, eu gosto que as pessoas me peçam conselhos e sigam os conselhos que eu dei pra elas. Isso é o que me deixa mais realizado.
Serpentaralhaço.
Ah, e minha mãe é de dragão, e os dois vivem na disputa de quem está mais certo que o outro. Mas, poxa, o dragão sempre ganha normalmente. Imagina quando além de dragão ela ainda é sua esposa! Rezem pelo meu pai, pessoal.
Inclusive a história de como os dois começaram a namorar é totalmente arquetípico. Se fosse na china antiga, seria registrado como fábula para explicar a simbologia desses dois signos para as gerações posteriores.
Um belo dia, meu pai, que já estava de olho na minha mãe fazia tempo, resolveu pedi-la em namoro, na calçada em frente ao mercado do bairro, o mercado Maringá.
Minha mãe, como uma boa dragoa, ao ouvir o pedido, soltou uma sonora gargalhada. “Tá doido, garoto? Eu sou mais velha que você!” Ela era apenas alguns meses mais velha, mas enfim, dragonidades.
Meu pai não se deixou abater pela gargalhada com a qual a bela donzela lhe envergonhou no meio da movimentada calçada da Avenida Luiz de Lemos. Olhou bem nos olhos dela e disse: pois anota o que eu vou falar agora: daqui a alguns meses, você é quem vai me pedir em namoro!
E passou a tramar, com várias amigas da minha mãe, que ele estava namorando com elas. Depois começou a namorar uma outra menina que minha mãe odiava. Enfim, foi tramando suas arapucas até que, depois de um culto, ele pede para acompanhar minha mãe até em casa e ela, muito envergonhada, mas vencida pelas artimanhas do sr. Ednaldo: pede para lhe dar um beijo. Ele dá. Afasta o rosto. Sorri e diz: não falei?
-Não falou o quê?
-Que você ia me pedir em namoro.
Agora ela riu de novo, mas de raiva.
E estamos aí, se não fosse essa astúcia ofídica, não existiriam os irmãos caverna.
Bom, acho que deu para ter uma noção do signo da serpente.
Voltando ao tema bíblico, perceba que Satanás começa como uma serpente e aparece no final da história como um dragão. O que mudou?
Bom, aí é a parte puramente especulativa. Estamos testemunhando um número cada vez maior e mais explícito de pessoas prestando adoração explícita a Satanás.
É claro que indiretamente, o diabo sempre teve seus servos. Até Pedro acabou sendo boca de satanás num determinado momento. Mas enquanto os homens o servem “sem perceber”, indiretamente, inconscientemente, ainda é a serpente agindo, e, digamos assim, ele recebe um culto próprio da serpente.
O que podemos dizer que tem crescido, e na nossa época está ficando cada vez mais “na cara” é a adoração direta e explícita a ele. Sem rodeios, sem preocupação de disfarçar.
Isso é adorá-lo como dragão.
Ora, quem sabe essa cena do Apocalipse simplesmente mostra a etapa final desse crescimento, onde ele “conseguiu” o que queria, e agora os homens o adoram como se ele fosse, de fato o Altíssimo?
Bom, acho que já foi especulação demais por hoje.